A atmosfera árida e abafada da primeira parte de The Myth of the
American Sleepover tem a dupla função de precipitar um
contraste pictórico flagrante com o estilo efeverscente de uma noite
anunciada - o Sleepover do título - e de ilustrar de forma
decidida a indefinição paralisante que ocorre em períodos de
transição intensos. A obscuridade sintomática de uma moldura
urbana degradada - a cidade de Detroit, abalada pela crise económica
- enquadra, em narrativas cruzadas, o coming of age indeciso
de vários adolescentes vulneráveis, cujas histórias - a frustração
tardia de uma rapariga conspíqua perante a iminência do final do
verão; a inoperância obsessiva de um universitário fragilizado por
um desgosto amoroso; a expectativa romântica de um rapaz ingénuo e
resoluto - escrevem na brevidade pendular de um intervalo entre
duas etapas.
A demarcação rigorosa de uma unidade de tempo particular - a noite
do Sleepover - precipita a efabulação mítica de panoramas
improváveis e convida à previsão licenciosa de revelações
milagrosas. A suspensão temporária do tempo e das regras - o único
adulto que aparece no filme está a dormir - inflama as
possibilidades da excepção, reforçando a convicção dogmática de
um grupo de adolescentes na iminência de uma solução personalizada
que traga resposta aos seus desejos ocultos.
Afastado por convicção de uma linguagem marcadamente geracional -
que encontra na movimentação turbulenta da câmara o seu princípio
operativo -, David Robert Mitchell consolida um raro esclarecimento
estético na composição cuidada dos planos ou no aproveitamento
dinâmico da banda sonora - entrada harmoniosa das músicas;
transições subtis de som extra-diegético para som diegético -,
pese embora não procure refugiar-se em qualquer padrão de estilo
restritivo. Com um domínio seguro de um vasto leque de soluções
formais - da suavidade temerária do slow motion à
abstracção intrépida da câmara em cones de sombra; da
previsibilidade musical de sequências de montagem à representação
táctil de rostos em close-up
-, Mitchell ilustra a influência anestesiante de uma atmosfera de
excepção no percurso confuso e hesitante das personagens
representadas.
Perfila-se na reflexão paciente de
The Myth of the American Sleepover sobre
a atmosfera excepcional de uma noite - por vezes a câmara esquece
por completo as coordenadas espaciais dos lugares e das personagens,
e a imagem nocturna dá lugar a uma abstracção de cores e formas
que assomam indiscriminadamente da escuridão - a presença de uma
herança estética com fundamentos bem assentes. Se a composição
pictórica dos cenários nocturnos reclama a filiação a Gregory
Crewdson - o cruzamento de excertos narrativos no interior do mesmo
plano; a sobreposição encenada dos corpos ao cenário; a iluminação
focalizada de narrativas paralelas -, o fantasma incisivo de John
Carpenter manifesta-se na dinâmica conflitual que opõe o espaço
interior ao exterior (Assault on Precint 13th, The Thing), na acção
imprevisível de um grupo organizado (Prince of Darkness,
The Fog, Ghosts
of Mars), ou na representação
material de um intervalo de tempo encapsulado (Escape from N.Y., Escape from
L.A.), tema para o qual a
sequência na fábrica abandonada é um catalisador oportuno.
Conquanto a cumplicidade filial de
David Robert Mitchell possa alargar-se ainda a outras cinematografias
- The Myth of the American Sleepover
estará algures entre a contemplação melíflua de Gus van Sant e a
textura abrasiva de Antonio Campos, ou entre a subtileza reflexiva de
Hal Hartley e o torpor indiferente de Sofia Coppola -, a vinculação
do filme a um programa referencial não atenua a validade de um
estilo autónomo e distintivo.
A delimitação de uma invariável narrativa - a atmosfera nocturna
- permite a gestão eficaz da montagem paralela e garante a
elasticidade necessária à inclusão de sequências de risco, como a
excelente sequência da dança de Maggie, ou a reprodução formal
dos códigos do Slasher (a silhueta no corredor escuro, a
rapariga deitada na banheira). A coexistência de várias histórias
na mesma linha de tempo nunca perturba o equilíbrio geral do filme,
ancorando-se a coerência narrativa na representação estilizada dos
cenários nocturnos - o centro nevrálgico do filme, e o pressuposto
estético de uma construção global muito feliz.
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