sábado, 11 de abril de 2015

The Myth of the American Sleepover, David Robert Mitchell (2010)

A atmosfera árida e abafada da primeira parte de The Myth of the American Sleepover tem a dupla função de precipitar um contraste pictórico flagrante com o estilo efeverscente de uma noite anunciada - o Sleepover do título - e de ilustrar de forma decidida a indefinição paralisante que ocorre em períodos de transição intensos. A obscuridade sintomática de uma moldura urbana degradada - a cidade de Detroit, abalada pela crise económica - enquadra, em narrativas cruzadas, o coming of age indeciso de vários adolescentes vulneráveis, cujas histórias - a frustração tardia de uma rapariga conspíqua perante a iminência do final do verão; a inoperância obsessiva de um universitário fragilizado por um desgosto amoroso; a expectativa romântica de um rapaz ingénuo e resoluto - escrevem na brevidade pendular de um intervalo entre duas etapas.
A demarcação rigorosa de uma unidade de tempo particular - a noite do Sleepover - precipita a efabulação mítica de panoramas improváveis e convida à previsão licenciosa de revelações milagrosas. A suspensão temporária do tempo e das regras - o único adulto que aparece no filme está a dormir - inflama as possibilidades da excepção, reforçando a convicção dogmática de um grupo de adolescentes na iminência de uma solução personalizada que traga resposta aos seus desejos ocultos.
Afastado por convicção de uma linguagem marcadamente geracional - que encontra na movimentação turbulenta da câmara o seu princípio operativo -, David Robert Mitchell consolida um raro esclarecimento estético na composição cuidada dos planos ou no aproveitamento dinâmico da banda sonora - entrada harmoniosa das músicas; transições subtis de som extra-diegético para som diegético -, pese embora não procure refugiar-se em qualquer padrão de estilo restritivo. Com um domínio seguro de um vasto leque de soluções formais - da suavidade temerária do slow motion à abstracção intrépida da câmara em cones de sombra; da previsibilidade musical de sequências de montagem à representação táctil de rostos em close-up -, Mitchell ilustra a influência anestesiante de uma atmosfera de excepção no percurso confuso e hesitante das personagens representadas.
Perfila-se na reflexão paciente de The Myth of the American Sleepover sobre a atmosfera excepcional de uma noite - por vezes a câmara esquece por completo as coordenadas espaciais dos lugares e das personagens, e a imagem nocturna dá lugar a uma abstracção de cores e formas que assomam indiscriminadamente da escuridão - a presença de uma herança estética com fundamentos bem assentes. Se a composição pictórica dos cenários nocturnos reclama a filiação a Gregory Crewdson - o cruzamento de excertos narrativos no interior do mesmo plano; a sobreposição encenada dos corpos ao cenário; a iluminação focalizada de narrativas paralelas -, o fantasma incisivo de John Carpenter manifesta-se na dinâmica conflitual que opõe o espaço interior ao exterior (Assault on Precint 13th, The Thing), na acção imprevisível de um grupo organizado (Prince of Darkness, The Fog, Ghosts of Mars), ou na representação material de um intervalo de tempo encapsulado (Escape from N.Y., Escape from L.A.), tema para o qual a sequência na fábrica abandonada é um catalisador oportuno.
Conquanto a cumplicidade filial de David Robert Mitchell possa alargar-se ainda a outras cinematografias - The Myth of the American Sleepover estará algures entre a contemplação melíflua de Gus van Sant e a textura abrasiva de Antonio Campos, ou entre a subtileza reflexiva de Hal Hartley e o torpor indiferente de Sofia Coppola -, a vinculação do filme a um programa referencial não atenua a validade de um estilo autónomo e distintivo.
A delimitação de uma invariável narrativa - a atmosfera nocturna - permite a gestão eficaz da montagem paralela e garante a elasticidade necessária à inclusão de sequências de risco, como a excelente sequência da dança de Maggie, ou a reprodução formal dos códigos do Slasher (a silhueta no corredor escuro, a rapariga deitada na banheira). A coexistência de várias histórias na mesma linha de tempo nunca perturba o equilíbrio geral do filme, ancorando-se a coerência narrativa na representação estilizada dos cenários nocturnos - o centro nevrálgico do filme, e o pressuposto estético de uma construção global muito feliz.  


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