Fragmentos de uma entrevista concedida por Mickey Sabbath a Jamie-Lynn
Sigler, no programa semanal The Refined Taste of Fictional
Characters...
(...)
...enquanto olhava indiscretamente para a parte visível das
minhas pernas e parecia imaginar aquilo que não conseguia ver
daquele ângulo. Mickey Sabbath alterna o olhar lascivo de um tarado
com a intuição omnisciente de um génio. Um génio eloquente com um
handicap. Um Hannibal Lecter que trocou a antropofagia pela luxúria,
e que escarnece do esclarecimento do texto à medida que a entrevista
avança...
(...)
... a barba branca e comprida que, quando está sentado, lhe toca
nos joelhos...
(...)
...as preferências cinematográficas (algumas surpresas) e
os comentários de Sabbath às escolhas do seu Top 10...
Aleg0ria da Caverna, Sá Leão, (?)
Lolita, Stanley Kubrick, 1962
Lolita, Adrian Lane, 1997
Face-off, John Woo, 1997
Hollow Man, Paul Verhoeven, 2000
"Marco Polo", The Sopranos, 2004
Venus, Roger Mitchell, 2006
Restless, Gus van Sant, 2011
Jeune et Jolie, François Ozon, 2013
Jamie-Lynn - Aleg0ria?
Michey Sabbath - Sim.
J-L - Nunca ouvi falar deste filme, confesso.
M. S. - Uma obra-prima. O peso formativo da indústria
pornográfica não deve ser menosprezado. Embora conceda que possa
haver diferentes opiniões quanto à subtileza praticada no género.
J-L. - Ok. As duas versões
de Lolita?
Tem preferência por alguma delas?
M. S. - Dominique Swain.
J-L. - Referia-me aos
filmes.
M. S. - Sim.
J-L. - [surpresa] Bem,
passemos à frente. Os filmes de acção, com alguma
ficção-científica pelo meio. Não sabia que era apreciador do género. O
que é que o atraiu, por exemplo, em
Face-Off?
M. S. - Dominique Swain...
J-L. - [revira os olhos] Isto não está a...
M. S. - ...mas também a
elegância do argumento. O bandido mau e perverso que troca de cara com o
polícia bom e honesto (que, como bom pai de família que é, não dá
uma foda há dois anos). Depois o bandido mau e perverso regressa à
casa do polícia bom e honesto e faz-se passar por ele, mas altera umas coisas por lá: come-lhe a mulher como ela já nem se lembrava
que podia ser comida*, e espreita a filha adolescente (Dominique Swain de cuecas) pela fresta da porta...
J-L. - ...correr como eu
planeei...
M. S. - ... quem disse que
Hollywood não tinha sentido de humor?
J-L. - Passemos ao filme
seguinte. Hollow Man?
Pensei que, a escolher um filme de Paul Verhoeven, tivesse escolhido Basic
Instinct...
M. S. - Eu sou imprevisível.
J-L. - O que o
atraíu então para esse filme?
M.S. - A verosimilhança.
J-L. - O filme de um homem que se torna invisível...
M. S. - Sim.
J-L. - Onde está a
verosimilhança?
M. S. - No que ele faz em
seguida.
J-L. - Não compreendo.
M. S. - Qual é a primeira
coisa que faz o homem invisível?
J-L. - Não faço a menor ideia.
M.S. - Entra em casa da vizinha boazona
do prédio em frente e salta-lhe para cima, aproveitando que agora ela não
consegue vê-lo, o que de resto me parece uma fantasia bastante plausível.
J-L. - É muito coerente nas
suas escolhas, não é?
M. S. - Não costumo pensar
nisso. Posso tocar-lhe na perna?
J-L. - Não. O episódio da
série de televisão não é bem um filme, mas se bem me lembro é o
episódio em que o James e a Edie se reconciliam, certo?
M.S. - Tu estavas lá,
devias lembrar-te.
J-L. - Acho que não entrei
nesse episódio.
M. S. - Entraste.
J-L. - Tenho algum receio de
perguntar como é que o Mickey Sabbath...
M. S. - Então não
perguntes.
J-L. - Como é que sabe?
M. S. - Lembro-me do teu
decote.
J-L. - Passemos à frente...
M. S. - O que me atraiu
nesse episódio foi a forma como o teu tio - o Steve Buscemi, em
cujas premissas éticas eu me revejo - olhava para as tuas mamas...
J-L. - Vou-lhe pedir para
ter mais respeito...
M.S. - ...Para os teus
seios?
J-L. - ...e que deixe de
falar de mim e do meu corpo [pausa]. Em relação ao Restless,
o filme seguinte, não foi a história de amor que o cativou?
M.S. - Não.
J-L. - Admita...
M. S. - Admita-O.
J-L. - Não entendi.
M. S. - Admita-O. O verbo é
transitivo. Ou costumava ser, até a eloquência dos cretinos ser
largada à solta sobre a terra...
J-L. - Admita-o, então...
M. S. - Não, não o admito.
J-L. - Então porquê esta
preferência?
M. S. - Estamos a falar de
quê?
J-L. - Do filme Restless,
de Gus van Sant, que é uma belíssima história de amor...
M.S. - Sim, Belíssima...
[entoação desdenhosa]
J-L. - Algum problema com o
adjectivo?
M. S. - Não, nenhum
problema.
J-L. - Então responda-me
à...
M. S. - ...é engraçada a
tentação do superlativo na linguagem esclarecida que vocês usam...
J-L. - Vocês?
M. S. - Na verdade adormeci
durante a exibição do filme...
J-L. - [Pausa. Confusa,
passa os olhos pelas folhas que tem à frente.] Mas Restless faz parte da
sua lista...
M. S. - Sim.
J-L. - [impaciente]...porquê?
M.S. - O único japonês que
entra no filme é uma alucinação, o que é um golpe de génio...
J-L. - Não sabia que era racista.
M. S. - E não sou.
J-L. - Parece-me incoer...
M. S. - ...não gosto de
japoneses.
J-L. - Em relação a
Venus e Jeune
et Jolie estamos
esclarecidos...
M. S. - Ok.
J-L. - Foi a questão da
perversão aquilo que o atraiu nestes dois, não foi?
M. S. - Não sei do que
estás a falar.
J-L. - A rapariga de boas
famílias que se prostitui em hotéis com homens mais velhos...
M. S. - Estou a ouvir.
J-L. - [Expressão de
pânico] Isso é uma intumescência nas suas calças?
M. S. - Não, é o meu pau.
Embora na minha época lhe chamássemos...
J-L. - ...vou dar por
terminada esta entrevista...
M.S. - ...então porquê? É
que a tua descrição foi tão precisa...
J-L. - [levanta-se. Tem uma expressão ofendida] ...que
foi irresistível para si...
M. S. - [Mantém-se sentado.
Olha para cima enquanto fala]. O que tem a resistência a ver com
isto? Estavas a falar de uma rapariga alta, nova, de cabelo
castanho-claro, húmido, que se deita com homens mais velhos pelo
gozo que isso lhe dá... [olha para as calças] Aí está ele outra
vez... Pareceu-me apenas natural...
J-L. - Adeus Mickey.
M. S. - Vais chamar o teu
pai, não vais?
J-L. - O meu... Ah, ok**.
M. S. - Vamos acabar isto,
eu porto-me bem.
J-L. - Parece-me que já
acabámos.
M. S. - Falta um filme.
J-L. - O quê?
M.S. - Falta um filme.
J-L. - [Consulta a lista.
Olha para a produtora do programa]. Bem, parece que temos tempo para
mais uma das suas respostas.
M. S. - Ainda bem.
J-L. - Tem mesmo um filme
ou vai inventar mais qualquer coisa?
M. S. - Na verdade, os
outros é que foram inventados.
J-L. - E o décimo não foi?
M. S. - Não. E, sendo assim, o
filme que falta é o primeiro e não o décimo, porque foi o único
em que pensei realmente enquanto vinha para cá.
J-L. - [Exausta] Então e
qual é o filme?
M. S. - Match Point,
do Woody Allen, de 2005.
Aleg0ria da Caverna, Sá Leão, (?)
Lolita, Stanley Kubrick, 1962
Lolita, Adrian Lane, 1997
Face-off, John Woo, 1997
Hollow Man, Paul Verhoeven, 2000
"Marco Polo", The Sopranos, 2004
Match Point, Woody Allen, 2005
Venus, Roger Mitchell, 2006
Restless, Gus van Sant, 2011
Jeune et Jolie,
François Ozon, 2013
J-L. - Que é um belíssimo
filme...
M.S. - Sim, um belíssimo
filme...
J-L. - Pode parar com o
sarcasmo?
M. S. - Posso.
J-L. - Se bem me lembro, o
Woody adopta muito livremente a obra de Dostoievsky, Crime
e Castigo...
M. S. - Sim, muito
livremente...
J-L. - [Inquisitiva]
Pensei que tinha parado com o sarcasmo...
M. S. - Sim.
J-L. - Quando repete o que
eu digo dá-me a ideia de que está a ser sarcástico.
M. S. - É um equívoco
frequente.
J-L. - O quê?
M.S. - Interpretar mal a
repetição como sendo sarcástica.
J-L. - Qual o significado da
repetição, então?
M.S. - Regra geral, a
repetição é usada para enfatizar uma ideia ou pensamento. Também
pode ser usada como figura de estilo, embora esse me pareça um recurso
francamente pobre da ferramenta.
J-L. - Porque é que
repetiu o que eu disse? - era esta a minha pergunta.
M. S. - Concordância.
Também me parece que o Woody
[entoação sarcástica]
adapta muito livremente a
obra de Dostoievsky...
J-L. - De que forma?
M. S. - Em primeiro lugar, a
vida sexual do Rodia evoluiu bastante desde que trocou São Petersburgo por Londres...
J-L. - ...e mais alguma
coisa?
M. S. - Sim, o que omiti na
declaração de abertura é, na verdade, a tese fundamental da minha
escolha.
J-L. - Pode destapar um
pouco o véu?
M. S. - Se tu subires um
pouco a saia.
J-L. - [Jamie-Lynn faz uma
expressão sensual e sobe ligeiramente a saia, deixando à vista um
pouco de uma liga].
M. S. - Não foi bem o que
esperava, mas tento não desrespeitar os acordos que estabeleço.
J-L. - [Puxa a saia para
baixo com irritação. Revira os olhos] E...?
M. S. - É comum recorrer-se
a conjunções para estabelecer uma ligação entre duas ideias ou
para enumerar elementos, mas os miúdos usam-nas para acentuar o
enorme vazio que existe entre tudo aquilo que não sabem e tudo
aquilo que desconhecem...
J-L. - Com quem julga que
está a falar?
M.S. - Jamie-Lynn?
J-L. - Vai responder à
pergunta?
M. S. - Contigo, parecia-me
óbvio.
J-L. - [Consulta a produtora
do programa com o olhar. Torna a olhar para Sabbath em desespero].
Porquê a escolha de Match
Point para os seus
filmes preferidos?
M. S. - Acho que o factor
decisivo - e genial - é o ponto de partida. Um homem que se casa para
espicaçar a relação adúltera merece toda a minha admiração. E parece-me uma solução inovadora no que respeita às possibilidades
de tesão de um indivíduo.
* Fuck her brains out no original
** Mickey refere-se desdenhosamente a Tony Soprano, personagem
interpretada por James Gandolfini na série The Sopranos, que
fazia de pai de Meadow Soprano, personagem interpretada por
Jamie-Lynn Sigler.
Um pormenor do decote de Jamie-Lynn Sigler no episódio referido por Sabbath