quinta-feira, 30 de abril de 2015

Quand Je Ne Dors Pas, Tommy Weber (2015) - Indie Lisboa

Par hasard.
Perfilado como herdeiro de Truffaut por um espectador, Tommy Weber - que esteve presente na sessão de dia 29 de Abril, no Cinema Ideal - disse que terá sido par hasard que a personagem principal de Quand je ne dors pas ganhou o nome de Antoine (reagindo à suposta filiação do protagonista com Antoine Doinel). Contudo, lá foi explicando que Les 400 Coups (1959) - assim como os restantes filmes da série de Truffaut com Jean-Pierre Léaud - era sombra imanente da sua reduzida equipa de produção.
Ainda que fosse apenas por circunstância - e não é -, o contexto estético de Quand je ne dors pas - a noite de Paris, o discurso errático de um protagonista, a interferência das canções na construção narrativa - evocaria sempre o peso formativo de uma herança cultural. Conquanto Weber não consinta - fala de um filme escrito e realizado por instinto -, os elementos fílmicos circunscrevem um território balizado por algumas referências incontornáveis: À Bout de Souffle (1960) de Godard à cabeça, mas também Le Signe du Lion (1962) de Éric Rohmer ou a referida série de Truffaut com Léaud.
Em À Pala de Walsh, João Lameira destaca a afinidade de Quand je ne dors pas com After Hours (1985), e percebe-se a alusão. Mas ao passo que no filme de Scorcese a finalidade manifesta de um desejo - como Ulisses, a personagem apenas quer regressar a casa - era obstruída por uma série de circunstâncias bizarras, em Quand je ne dors pas é o valor imperativo dos episódios circunstanciais - os encontros fortuitos, a sorte na raspadinha - que define o destino de Antoine. Se necessidade houvesse de uma referência além-Atlântico - e não me parece que haja -, Permanent Vacation (1980) de Jim Jarmusch seria um exemplo mais representativo da dinâmica deste filme.
Weber atenua a fadiga inerente à representação exaustiva de um percurso errático - o filme é manifestamente incoerente, e o fôlego intermitente do fio condutor depende do valor da peripécia relatada - pela generosidade formal com que aborda as cenas. A intromissão ocasional do estilo em Quand je ne dors pas tem valor de contingência, e deve-se sobretudo à descrição cuidadosa da personagem principal - a planificação aproximada; a letra sibilada de canções sem música - ou a imponderáveis de produção - o recurso ao preto e branco estabiliza as irregularidades cromáticas; os travellings com recurso a Steadycam têm para a narrativa o estatuto de fuga, e contornam a proibição urbana do uso de tripés.
Para além dos restantes pressupostos inerentes a um processo criativo, a identidade do filme independente deve ser preservada (também) pelo pendor artesanal dos métodos utilizados. Quand je ne dors pas é descarnado e desinteressado, e isso - acima de tudo o resto - valida-o como objecto Indie.


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