terça-feira, 14 de abril de 2015

Olhos Grandes, Tim Burton (2014)

A improvável agitação formal dos primeiros planos de Olhos Grandes - das tangenciais elipses de tempo impostas pelos jump cuts à subjectivização turbulenta determinada pelo uso da câmara à mão - indicia menos a perturbação interior das personagens representadas do que a indecisão estética do seu criador. O aparato formal dessa primeira sequência denuncia a consistência debilitada dos fundamentos narrativos do filme, e preconiza um trajecto acidentado que jamais silenciará a sua própria indefinição.
Ao invés de crescer em torno de um eixo sólido e esclarecido, a narrativa de Olhos Grandes ramifica-se a cada nova sequência, impondo ao espectador a assimilação insustentável de múltiplas direcções, seja ao nível do tema - a insubordinação da mulher talentosa à demarcação prevista pelos parâmetros sociais; o crescimento viral e ubíquo de um ícone emancipado; a divergência irrevogável entre a reclusão criativa e a exposição mediática - ou do género - a intromissão distensiva do biopic pelo recurso a imagens de arquivo; a expectativa do drama familiar perfilada na soturnidade claustrofóbica do espaço interior; a incursão tardia pela comédia burlesca na histriónica sequência de tribunal -, hipotecando pelo avanço hesitante a possibilidade de um compromisso emocional desimpedido.
A renovação titubeante de um artifício narrativo recorrente - a marginalidade solitária do artista enclausurado, categoria em que Margaret Keane se encontra com Edward Scissorhands ou Willy Wonka - é pronunciada por Tim Burton pela sobreposição solene do cenário às personagens: a concluir o preâmbulo, a agitação da câmara dá lugar a uma sequência de planos fixos perfeitamente enquadrados, que mostram Margaret abandonar a polidez sofisticada de uma rua colorida e cintilante (um pastiche da rua em que se desenrolava a acção de Eduardo Mãos-de-Tesoura) e reaparecer, depois de um corte, na indistinção asfixiante de um contexto urbano.
A deslocação geográfica do sujeito poético - que passa da imaginação onírica ao anonimato despersonalizante - anuncia a iminência de um conflito que, no entanto, só timidamente se manifesta. Se, em iniciativa inaudita, Burton suspende o credo da fábula e aquiesce à representação de um cenário realista, a inovação pictórica serve menos a circunscrição localizada de uma zona de tensão do que a renovação previsível da premissa convencional. A destruição redentora da indistinção urbana por intermédio de um olhar in(ter)ventivo - hipótese prefigurada na imagem dos Olhos Grandes e sugerida pela irrupção de Margaret no aparato amorfo da cidade - é preterida negligentemente em favor da cómoda variação narrativa sobre um tema persistente. 
Ao invés de lhe impor uma inflexão decisiva, a tímida tentativa de fazer abalar as convenções internas da obra de Tim Burton - ao deslocar o epicentro da acção para um contexto de índole realista - reforça involuntariamente a relação de dependência que essa obra mantém com a eloquência impositiva dos cenários. A incapacidade de satisfazer a premissa metafórica do título - e transferir o centro óptico do filme para os Olhos Grandes - evidencia a ineficácia da efabulação mágica face ao quotidiano austero, validando de forma inadvertida a solução narrativa contestada no filme: a do estatuto imprescindível de uma mediação deletéria (Walter Keane) face à insuficiência transfiguradora do impulso artístico. 


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