Cinemateca, 8 de Maio de 2015, 21h30
Tectos baixos e corredores infinitos.
O filme arranca com problemas de legendagem.
Ficam apenas as imagens, os rostos, e um idioma estranho e cortante.
*
Mas, a provar que o cinema lida
melhor com o absoluto do que com o concreto, o problema de legendagem
foi resolvido. As vozes, agora inteligíveis, veiculam o
constrangimento de base do filme, que responde à exigência
implícita de um preconceito político. O cinema de propaganda - de
mensagem - é tão recriminável quando aponta à direita como quando
aponta à esquerda. A imagem é o território natural das ideias, e a
sua predicação na rigidez de factos concretos atenua - ou extingue
- a carga mística que lhe é inerente.
*
Os últimos dias de Adolph Hitler,
num bunker, em Berlim.
O cimento - matéria que reveste os
interiores - é o sintoma visível do aparato bélico que se
desenrola no exterior. As paredes de cimento simbolizam a protecção
contra o exterior, mas também a reclusão irreversível. Os
conflitos no exterior - o avanço das tropas russa e americana em
direcção a Berlim - são uma mancha abstracta que invade o bunker
na forma imaterial de ondas de som - as notícias via rádio. A
atmosfera condensa-se. A claustrofobia do lugar - tectos baixos,
longos corredores - é acentuada pela sugestão fantasmática do
inimigo, em fora-de-campo. No que tem de melhor, Os Últimos
Dias é um filme sobre a
imaginação. Sobre a construção imagética de um inimigo sem
corpo.
*
O constrangimento político
inviabiliza o esplendor das formas.
Os comentários - didascálias -
pesam sobre a subjectividade das imagens, impondo ao olhar a rigidez
de uma direcção. A iniquidade de Hitler prefigura-se mais no
autoritarismo exacerbado da voz entoada do que nos gracejos ocasionais dos seus súbditos; mais na representação táctil de uma efígie diabólica
e planetária (o cabelo, o bigode) do que na enunciação exaustiva dos crimes
praticados. A intromissão de factos concretos na composição
estética afasta o filme do domínio dos conceitos
absolutos, e perturba a envolvência mística.
A ideia eleva-se, o facto fixa-se.
*
Como Resnais (Marienbad)
ou Dreyer (A Paixão de Joana D'arc),
Pabst é cineasta de Snapshot e de imagens ideais - Atlântida ou A Boceta de Pandora -, de forte propensão mística e abstracta. Como Welles (O
Processo), Dreyer (Ordet) ou Sokurov (O
Sol), Pabst é cineasta da
reclusão e da claustrofobia, de grande atenção ao pendor geométrico e descritivo da forma.
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