sexta-feira, 1 de maio de 2015

Os Sonâmbulos, Volume I - Pasenow ou o Romantismo, Hermann Broch

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Quanto ao assunto da farda, Bertrand poderia exprimir-se mais ou menos assim:
Tempos houve em que a Igreja era o único juiz a julgar o homem e todos tinham consciência de que eram pecadores. Hoje é o pecador que tem de julgar o pecador, para impedir que todos os valores soçobrem na anarquia e, em lugar de chorar com ele, o irmão sente-se na obrigação de dizer ao irmão: <procedeste mal>. E se outrora o traje clerical, como algo de inumano, era o único a distinguir-se dos outros, e se então, mesmo no uniforme e no hábito talar, ainda transparecia o civil, tendo-se perdido a grande intolerância da fé houve que pôr a toga terrena no lugar da celeste, tornou-se necessário que a sociedade se dividisse em hierarquias e uniformes terrenos e que estes se elevassem a valores absolutos, substituindo a fé.
(...)
E como é sempre prova de romantismo tornar o terreno absoluto, o austero e verdadeiro romantismo do nosso tempo é o romantismo da farda, como se houvesse uma ideia supraterrena e supratemporal da farda, ideia que não existe, mas possui uma tal intensidade que se apodera do homem com muito mais força do que qualquer outra vocação terrena, ideia inexistente e no entanto tão impetuosa que converte o portador da farda num possesso da farda, nunca num profissional no sentido civil da palavra, talvez, precisamente, porque o homem de farda se sente repleto de consciência de realizar o estilo de vida próprio da sua época e de realizar assim, igualmente, a segurança da sua própria existência.
(...)

...um verdadeiro uniforme assegura a quem o enverga uma nítida demarcação da sua pessoa em relação ao mundo envolvente...

edições 70
trad. António Ferreira Marques



They Live, John Carpenter (1988)

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